quinta-feira, 18 de abril de 2024

percurso

auto retrato 

Nos próximos dias estará nas livrarias um novo livro de poemas do qual sou autor. Poderia, mas não vou falar do livro nem fazer a sua apologia. Vou, tão-somente, deixar-vos algumas notas do percurso que me trouxe até às publicações em livro. 

Dir-se-á que ninguém melhor que o próprio reúne todo o conhecimento sobre o processo de partilha do que escreve e publica. Assim será, mas esse facto não me conforta, bem pelo contrário, a partilha da palavra escrita constitui-se como mais uma exposição pública o que, de todo, nunca me agradou, nem agrada. Eu sei, tive por outros motivos muita exposição no espaço público regional, e até poderia parecer que daí retirava alguma satisfação, nada mais errado, foi para mim muito, mas mesmo muito desgastante e sempre que podia refugiava-me num porto seguro. A exposição pública através da partilha da palavra escrita não tendo a mesma dimensão, mas, ainda assim, foi necessário saltar, com insegurança, algumas barreiras que eu próprio coloquei neste caminho.

A minha atividade como autor tem a sua génese nas páginas dos jornais regionais, aliás instrumento do qual, nem todos, mas alguns dos nossos escritores de renome se serviram para exercitar a construção literária de que hoje são verdadeiros mestres. Iniciei a minha colaboração na imprensa regional em 2003, passei pelo “Correio do Norte”, pelo “Açoriano Oriental”, pela “União”, pelo “Expresso das Nove”, pelo “Diário Insular” e, ainda, por alguns títulos digitais, como por exemplo, o “Açores 9” e o “Azores Digital”. Colaborei, também, na rádio como comentador na “Conversa a 4” na TSF Açores, na Rádio Clube de Angra e na 105 FM. Em televisão fui pontualmente comentador em programas de grande informação na RTP Açores e mantive na SMTV um programa semanal de outubro de 2018 até julho de 2019, aquando do seu encerramento. 

Como referi logo o início o tema de hoje não é de fácil abordagem. Afinal trata-se de falar de mim e não é uma tarefa fácil por várias ordens de razão, desde logo porque não gosto de me expor, nem de tomar a iniciativa para escrever ou falar sobre o que faço, não me importo de responder, quando sou questionado, mas por iniciativa própria não é coisa que me agrade. Por outro lado, a atividade desenvolvida no exercício pleno da minha cidadania, bem como as minhas publicações são conhecidas, ou pelo menos, para não parecer que estou a ser imodesto, e não é o caso, estão, a vida e as publicações, acessíveis ao conhecimento dos cidadãos.

Gosto mais de ouvir do que falar. Mas se é verdade que gosto mais de ouvir do que falar é, igualmente, verdadeiro que gosto mais de ler do que escrever e, naturalmente, leio muito mais do que escrevo, mas, a escrita seja na forma de ensaio, crónica ou poesia faz parte da minha vida, conquanto me tenha iniciado tardiamente nessas lides, talvez por ter outras prioridades, e como sou, ao contrário do que por vezes possa parecer, desorganizado e sem método nunca consegui gerir e organizar o tempo para além da minha vida familiar, profissional, cívica e política, de modo a criar condições para escrever. Não sei gerir o tempo. Tenho sempre tempo para os outros, nunca tenho, ou, raras vezes tenho tempo para mim. Bem agora já vou tendo. Estou aposentado e nessa condição tinha a expetativa que o tempo sobejasse. Pensava eu que sim, mas não, pois, continuo a ter uma intensa atividade que decorre do meu espírito inquieto e de muitas solicitações para colaborar em projetos aos quais continuo, como sempre fiz, a dar resposta positiva, a não ser que a agenda não permita mais entradas.

Cheguei precocemente à participação política engajada, à profissão e ao casamento. E esses três aspetos da minha vida constituíram-se nas minhas prioridades. O tempo, está bom de ver, não sobrava ou, pelo menos, eu não dava conta da existência de tempo livre para assumir outros encargos, quiçá por não saber gerir o tempo que restava.

A atividade profissional terminou recentemente. Foi uma longa carreira, mais de quarenta e seis anos de docência, embora oito, desses quarenta e seis, tenham sido dedicados à vida política a tempo inteiro. Uma carreira profissional de que me orgulho e ao longo da qual fiz tudo o que um professor pode fazer para além da docência. Do casamento que completa, em junho, quarenta e sete anos, resultaram três filhos, duas raparigas e um rapaz. E, sou avô de três netas. A militância partidária e o engajamento político aconteceram com alguma naturalidade ainda durante o ano de 1974 e continuarão enquanto respirar.

A escrita e a partilha de opinião entraram nas minhas rotinas, como já referi, em 2003 e mantêm-se. Em março de 2008, com a criação do meu blogue “momentos”, a escrita assumiu outros contornos e dei início à partilha dos primeiros textos poéticos, num processo que resultou, em grande parte, das minhas deambulações pelo arquipélago (ainda antes de ser eleito deputado). Da escrita foram resultando várias publicações: Imigrantes nos Açores – representações dos imigrantes face às políticas e práticas de acolhimento e integração (Tese de Mestrado), Edições Macaronésia, Ponta Delgada, 2010. O Outro Lado – palavras livres como o pensamento (poesia), Edições Letras Lavadas, Ponta Delgada, 2014. Toada do Mar e da Terra – Volume I (2003/2008) (crónicas), Edições Letras Lavadas, Ponta Delgada, 2017. O Encanto dos Sonhos (conto), Edições Letras Lavadas, Ponta Delgada 2019. Esperança Velha e outros poemas, (poesia), Edições Letras Lavadas, 2020. Destroços à Deriva, (poesia), Edições Letras Lavadas, 2024.

Uma das atividades que me foi dando mais prazer nos últimos anos foi a participação em festivais internacionais de poesia, dos quais destaco “Ronda Leiria Poetry” (2021), Mês da Poesia Estados Unidos (2021, 2022, 2023 e 2024), “Poesia Pela Liberdade”, organizado pelo WPM (2021), Red Carnation, organizado pelo WPM (2021), e o V Festival Internacional do Lugar de Los Escudos, México (2021). Dizer poesia tornou-se num dos meus prazeres.


Cheguei à escrita tardiamente. E tardiamente descobri este prazeroso tempo de intimidade e tranquila solidão. O tempo em que grafo no papel as palavras que, por diferentes motivações, partilho nas minhas publicações. Sendo prazeroso e solitário não é de autossatisfação, o tempo e o objeto que estão associados à escrita que tenho partilhado através das minhas publicações em livro, ou no meu blogue. É, ainda e sempre, um tempo de partilha e de intervenção. É ainda e sempre o professor que habita em mim, pois ser professor é ter a capacidade de partilhar conhecimento, mas sobretudo criar espaços de reflexão que induzam o pensamento crítico. Se atualmente ser professor não é isso, houve um tempo em que assim era.

Não sou um autor que trabalha as palavras como fazem alguns artífices das letras que as lapidam como se fossem diamantes. Direi que sou um eterno aprendiz de obreiro das palavras, o que já me satisfaz face a tudo o que fui fazendo ao longo da minha vida.

Se viver e conhecer os Açores teve importância em todos os aspetos da minha vida. Sim, claro que sim. Quando me fixei definitivamente na Região já trazia comigo o engajamento político, o casamento, duas filhas e a carreira profissional. Depois foi toda uma vida de descoberta e de intervenção que acabou por me levar à escrita. Se teria sido possível em qualquer outro lugar. Não sei, talvez. Mas nunca como nestas ilhas, embora a Beira Baixa e o seu povo, de onde sou oriundo, sejam fontes inesgotáveis de inspiração. 

Ponta Delgada, 15 de abril de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 17 de abril de 2024

terça-feira, 16 de abril de 2024

pequenos prazeres

Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.






(...) A escrita e a partilha de opinião entraram nas minhas rotinas, como já referi, em 2003 e mantêm-se. Em março de 2008, com a criação do meu blogue “momentos”, a escrita assumiu outros contornos e dei início à partilha dos primeiros textos poéticos, num processo que resultou, em grande parte, das minhas deambulações pelo arquipélago (ainda antes de ser eleito deputado). Da escrita foram resultando várias publicações: Imigrantes nos Açores – representações dos imigrantes face às políticas e práticas de acolhimento e integração (Tese de Mestrado), Edições Macaronésia, Ponta Delgada, 2010. O Outro Lado – palavras livres como o pensamento (poesia), Edições Letras Lavadas, Ponta Delgada, 2014. Toada do Mar e da Terra – Volume I (2003/2008) (crónicas), Edições Letras Lavadas, Ponta Delgada, 2017. O Encanto dos Sonhos (conto), Edições Letras Lavadas, Ponta Delgada 2019. Esperança Velha e outros poemas, (poesia), Edições Letras Lavadas, 2020. Destroços à Deriva, (poesia), Edições Letras Lavadas, 2024.

Uma das atividades que me foi dando mais prazer nos últimos anos foi a participação em festivais internacionais de poesia, dos quais destaco “Ronda Leiria Poetry” (2021), Mês da Poesia Estados Unidos (2021, 2022, 2023 e 2024), “Poesia Pela Liberdade”, organizado pelo WPM (2021), Red Carnation, organizado pelo WPM (2021), e o V Festival Internacional do Lugar de Los Escudos, México (2021). Dizer poesia tornou-se num dos meus prazeres. (...)


a ocidente da ultraperiferia

Uma feliz coincidência que resulta de um convite da Área Sindical das Flores (SPRA), ao qual as Câmaras Municipais das Flores se associaram, vai acontecer a primeira apresentação pública do livro “Destroços à Deriva”. 

Apresentar o meu último livro de poemas na ilha das Flores tem, para mim, um profundo significado. Numa Região como os Açores onde, por força das circunstâncias geográficas, mas também pela vontade dos homens, existe uma tendência para a centralização. Promover a apresentação de um livro de poemas numa das ilhas periféricas da ultraperiferia é, só por si, um acontecimento que não posso deixar de realçar.




Hoje (16 de abril), pelas 20h30mn, no Museu das Lajes das Flores, vou dinamizar uma conversa/tertúlia sobre os “50 anos do 25 de Abril”. Seguindo-se a primeira apresentação pública, por Gabriela Silva (escritora), do livro “Destroços à Deriva”.


Amanhã (dia 17 de abril) durante a manhã e a tarde estarei com os alunos do 3.º CEB e Secundário da EBS das Flores para conversar sobre “Educação e o 25 de Abril”, mas também sobre livros e leitura. 




À noite (dia 17 de abril), pelas 20h30mn, no Centro Cultural de Santa Cruz, terá lugar uma conversa/tertúlia sobre os “50 Anos do 25 de Abril” e a apresentação pública, por Lília Silva (professora), do livro “Destroços à Deriva”.

Agradeço à Área Sindical das Flores (SPRA), à Câmara Municipal das Lajes das Flores e à Câmara Municipal de Santa Cruz das Flores.

Bem hajam!

Aníbal C. Pires, Santa Cruz das Flores (Hotel Servi Flor), 16 de abril de 2024


quarta-feira, 10 de abril de 2024

a caminho das livrarias

É chegada a hora de desvendar alguns pormenores do livro de poemas “Destroços à Deriva”.

Um novo projeto com a habitual parceria de Ana Rita Afonso, autora da capa e das ilustrações concebidas para os poemas.

Fica a capa e um pequeno excerto do texto introdutório.

(…) A Ana Rita Afonso, companheira de viagem nas minhas incursões literárias, junta-se, de novo, a este projeto editorial. A fusão das palavras com as artes plásticas valoriza, diversifica e atrai novos públicos. As palavras chegam mais longe em virtude da arte pictórica e, esta, por sua vez chega a outros públicos, ainda que as ilustrações, por si só tenham um valor intrínseco e possam constituir-se como uma expressão artística autónoma, ou mesmo independente dos poemas, o mesmo se poderá dizer das palavras. (…)


terça-feira, 2 de abril de 2024

Ermitérios

imagem retirada da internet - farol Gonçalo Velho

Os faróis são lugares místicos com uma função bem terrena: sinalizar os caminhos do mar.

Os faróis convocam a imaginação e atraem-nos às mais altas falésias e alcantilados promontórios. São lugares invulgarmente sublimes, lugares de contemplação do mar imenso, lugares onde se chega pelos trilhos da beira terra, em direção à beira-mar, ou pelos atalhos do mar até uma pequena e arredada ilha onde se ergue, grandioso e robusto, um farol. 


Os faróis seduzem, deixamo-nos seduzir, e vamos. Vamos olhar o mar até à linha do horizonte, lá onde moram todas as utopias, vamos ver as aves marinhas no seu voejar planado, vamos observar as formas arquitetónicas e a sua capacidade de resistência às intempéries que, não poucas vezes, se abatem sobre aqueles belos, mas inóspitos lugares.

Se o sítio for visitável e o faroleiro um bom anfitrião não resistimos a entrar e a subir as íngremes e acanhadas escadas que nos levam ao topo onde a função do farol se cumpre.

A singularidade da arquitetura adaptada ao propósito, a beleza e a quietude da geografia onde se situam as luminárias que alumiam os caminhos do mar, constituem-se como os principais elementos que nos despertam interesse e atração, mas outras, subjetivas e indefinidas, razões, e talvez por isso, por serem do domínio do imaginário, sejam tão, ou mais, importantes no fascínio que os faróis e outros lugares de solidão exercem sobre nós. 

O magnetismo que emana dos faróis, dos moinhos, dos mosteiros e conventos, das ilhas desertas, cativa-nos e atrai-nos, e, tem sido objeto de variadas narrativas literárias, algumas adaptadas ao cinema, ou mesmo escritas com o propósito de argumentos para produções cinematográficas.

foto de Madalena Pires
Os ermitérios são uma inesgotável fonte para a criação de mitos e estórias sobre o isolamento, a solidão, o desterro, a loucura, o erotismo, o assombramento, ou mesmo de crimes macabros e irresolúveis.

O imaginário popular é fértil na criação de estórias e mitos sobre os lugares ermos, ou não o sendo se encontrem circunscritos por altos muros, mitos e reclusão forçada, ou não, aos quais se associam personagens com caraterísticas invulgares. Variam os lugares e os personagens consoante a função da estrutura edificada, ou mesmo, na inexistência dela, se o eremita se acomoda numa cavidade natural. O que não se altera é a narrativa fantasmagórica transmitida na tradição oral sobre esta gente e estes lugares. 

Quando criança, nas noites de inverno, ouvi muitas estórias, de lugares e pessoas, verdadeiramente assustadoras para as quais, só muito mais tarde, encontrei algumas explicações que justificavam os “fenómenos” e os comportamentos excêntricos de alguns cidadãos que viviam, por opção, por necessidade, pela fé, ou por razões de ordem profissional, afastados das comunidades que lhes estavam na proximidade.

As estórias fantasmagóricas que ouvi na minha infância sobre lugares ermos e sobre eremitas fizeram e continuam a fazer parte do meu imaginário, atualmente sem os temores que sobre mim exerceram na infância e retardavam a chegada do sono pois, qualquer ruído, das antigas casas da aldeia onde costumava passar algumas temporadas, para o qual se não encontrasse, de imediato, uma explicação plausível era relacionado com as estórias ouvidas ao serão e a sonolência transformava-se em vigília até que o sono se voltasse a instalar.

O passar do tempo e o conhecimento que vem com ele afastou os pavores, mas ficou a atração pelos ermitérios e pelos eremitas, quer estes o sejam por opção, ou por necessidade de ordem profissional. Este fascínio não será tanto pelo facto de se estar só, e entenda-se estar só não é necessariamente sinónimo de solidão, mergulhados em profunda solidão podemos estar rodeados da turba e a viver no centro de uma grande urbe. 

foto de Aníbal C. Pires

Se o isolamento, por ser inusual, desperta interesse em muitos de nós que consideramos esse comportamento fora dos padrões comportamentais e por vezes chegam a merecer a atenção da academia e a elevação à condição de objeto de estudo. Mas são os lugares, pela sua localização, pela sua arquitetura e pela função que me fascinam nos ermitérios, sejam eles lugares ermos, nas periferias, ou mesmo dentro da malha urbana de grandes cidades. Espaços fechados aos olhos do mundo e onde se enclausuram voluntariamente cidadãos que se afastam do mundo e dos seus concidadãos, não será como ir para uma ilha deserta, mas, nos tempos que correm, ir para uma ilha deserta não é, digamos, uma opção ao alcance de todos e quem pode, por norma, faz-se acompanhar não está nunca sozinho, conquanto possa carregar o peso da solidão.

Os moinhos de vento situam-se em colunas verdejantes, os moinhos de água, ou azenhas, junto dos cursos de água, os mosteiros e conventos podem até não se localizar em lugares ermos, mas a sua localização e arquitetura deslumbram. Os lugares naturais ou urbanos onde se edificam estruturas para acolher quem, por vontade própria ou pelo exercício de uma atividade profissional, está em isolamento, mesmo que acompanhado, encantam-me.

Outros ermitérios, como as prisões, por mais belos e singulares que sejam os lugares onde estão implantados provocam outros sentimentos, o interesse histórico e literário.

A prisão de Alcatraz, a ilha de Santa Helena, a ilha do Diabo, Robben Island, são conhecidas como temíveis prisões e territórios e sobre elas existem inúmeras narrativas ficcionadas com fundamento em acontecimentos reais, mas também estórias bem reais como seja o longo encarceramento de Nelson Mandela (Robben Island). 

Sobre as prisões e as inevitáveis fugas e tentativas de fuga existam estórias reais que pelos seus contornos não necessitam, sequer, de ser ficcionadas e romantizadas.

Menos conhecidas e fora do foco de escritores e cineastas são algumas das prisões do fascismo português por onde passaram milhares de homens e mulheres que lutaram pela democracia e pela liberdade para Portugal. O Tarrafal, o Aljube, Caxias, Peniche, e o Forte de S. João Baptista são, de entre outros, nomes que nos são familiares, embora nem sempre se conheça a história destes lugares de isolamento, tortura e morte. 

o Chrysler utilizado na fuga de Caxias
 Museu do Caramulo

A fuga solitária de Dias Lourenço da prisão de Peniche, a 17 de dezembro de 1954, a fuga preparada e concretizada, a 4 de dezembro de 1961 por um grupo de militantes do PCP, na qual António Tereso foi um elemento fundamental pois o carro utilizado para sair da prisão era de Salazar e, o Tereso teve de conquistar a confiança dos guardas e do Diretor da prisão, passando por traidor (rachado) junto dos seus camaradas, mas também a fuga de Peniche, de Álvaro Cunhal, a 3 de janeiro de 1960,  em conjunto com Álvaro Cunhal, Carlos Costa, Francisco Miguel, Francisco Martins Rodrigues, Guilherme Costa Carvalho, Jaime Serra, Joaquim Gomes, José Carlos, Pedro Soares e Rogério Carvalho além de um soldado da GNR. Muitas outras fugas das prisões do fascismo aconteceram e todas elas revelam audácia e coragem.

As prisões do fascismo não se esgotam nas referências já feitas a algumas delas, mas para percebermos que a dimensão do aparelho repressivo do fascismo português não se resume apenas às cadeias a que aludi outras, menos divulgadas, existiram nos territórios colonizados, apara além de Cabo Verde, já mencionado na referência ao Tarrafal, Guiné, Angola, Moçambique e Timor tiveram os seus funestos presídios. Estas cadeias eram em tudo semelhante ao Campo de Concentração do Tarrafal. A diferença, segundo o Dr. Luís Farinha, antigo diretor do Museu do Aljube é que: “os seus «habitantes» forçados não tiveram ninguém que lhes guardasse a memória.”

No ano em que se comemoram os 50 anos de Abril é nossa obrigação trazer para o presente as memórias de um passado obscuro, ditatorial e repressivo que alguns louvam e gostariam de ressuscitar, mas também se constitui uma obrigação afirmar os valores da liberdade e da democracia pela qual se lutou e luta.  

Ponta Delgada, 2 de abril de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 5 de abril de 2024

lugares de isolamento...

imagem retirada da internet



Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.





(...) Outros ermitérios, como as prisões, por mais belos e singulares que sejam os lugares onde estão implantados provocam outros sentimentos, o interesse histórico e literário.

A prisão de Alcatraz, a ilha de Santa Helena, a ilha do Diabo, Robben Island, são conhecidas como temíveis prisões e territórios e sobre elas existem inúmeras narrativas ficcionadas com fundamento em acontecimentos reais, mas também estórias bem reais como seja o longo encarceramento de Nelson Mandela (Robben Island). 

Sobre as prisões e as inevitáveis fugas e tentativas de fuga existam estórias reais que pelos seus contornos não necessitam, sequer, de ser ficcionadas e romantizadas.

Menos conhecidas e fora do foco de escritores e cineastas são algumas das prisões do fascismo português por onde passaram milhares de homens e mulheres que lutaram pela democracia e pela liberdade para Portugal. O Tarrafal, o Aljube, Caxias, Peniche, e o Forte de S. João Baptista são, de entre outros, nomes que nos são familiares, embora nem sempre se conheça a história destes lugares de isolamento, tortura e morte. (...)


segunda-feira, 1 de abril de 2024

Maria Lamas - a abrir Abril


Maria Lamas
é uma incontornável figura da luta pela emancipação das mulheres em Portugal e no Mundo. Foi uma destacada militante na luta pela paz e cooperação.



Esta militante do Partido Comunista Português deixou um importante legado de intervenção social e política que importa relevar pois, ela como muitas outras portuguesas e portugueses contribuíram com o seu trabalho e intervenção para o esclarecimento e tomada de consciência social e política de importantes setores da população portuguesa.




Não foi por acaso que a 25 de Abril de 1974 as ruas de Lisboa se encheram de mulheres e homens com o rosto iluminado pela felicidade do fim do regime opressor, apoiaram a revolta militar e transformaram-na numa revolução.   


quarta-feira, 20 de março de 2024

“… com botas cardadas ou pezinhos de lã”

foto Aníbal C. Pires
O programa do XIV governo regional dos Açores foi apresentado, discutido e aprovado na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (ALRAA). Foi a abstenção parlamentar que viabilizou, sem surpresa, a aprovação do programa de governo. Não fiquei surpreendido pois, os partidos que se abstiveram têm um discurso recheado de intenções e linhas vermelhas e uma prática política utilitária em nada coerente com o discurso político inflamado que os carateriza. A viabilização do programa de governo serve os interesses políticos imediatos dos abstencionistas parlamentares. A aprovação do programa de governo fica, assim, a dever-se ao calculismo político e pouco, ou nada, ao que ali é declarado como intenção governativa pois, as opções de voto do Chega, da IL e do PAN foram, como já referi, meramente utilitárias e não aconteceram fundadas em análises e avaliações do programa que viabilizaram. Surpresa só para quem acredita no Pai Natal.

Tenho de reconhecer, depois de ter lido o programa do XIV governo regional, que José Manuel Bolieiro, como publicamente tinha anunciado, apresentou um programa de continuidade, ou seja, vamos continuar a trilhar um penoso caminho. 

O programa de governo pode ser bom ou mau consoante as diversas leituras que podem ser feitas ao documento que, para já, consiste apenas numa mera declaração de intenções, mas que conforma uma matriz ideológica liberal e assistencialista que não assegura progresso, desenvolvimento e justiça social. 

Imagem retirada da internet
Os olhares alinhados com a ideologia dominante dirão que o programa é satisfatório ou, mesmo, bom, outros olhares dirão que as assimetrias se vão aprofundar, as disparidades na coesão regional e na injustiça social vão aumentar e, por consequência, o aumento da exclusão, da pobreza e das dependências. As políticas de “continuidade reformista” que o programa do XIV governo regional espelha tendem a manter, sem solução, os graves problemas sociais e económicos que persistem nos Açores, pelas suas caraterísticas geográficas, mas sobretudo pela satisfação de clientelas e opções ideológicas dos sucessivos governos regionais.

O governo, no programa agora aprovado, afirma que existe um continuado crescimento económico (importaria aferir da sua sustentabilidade), mas não tem uma única medida que seja para redistribuir a riqueza criada.

O programa de governo propõe um modelo político ancorado na economia social e de mercado, reservando para a governação, apenas, o papel de regulador. Nem a Iniciativa Liberal seria tão clara nos propósitos, conquanto os motivos tornados públicos para a sua abstenção tenham sido os da estabilidade política.

O programa de governo reflete, naturalmente, o que os parceiros da coligação de direita pretendem para a sociedade açoriana o que, na minha modesta opinião, significa que vamos continuar na cauda das regiões europeias com indicadores de desenvolvimento humano indignos. E não se trata de nenhuma avaliação sobre as qualidades e qualificações políticas dos protagonistas, trata-se do projeto político ao qual estão vinculados que, sendo de “continuidade reformista”, vai promover a concentração da riqueza e o empobrecimento dos trabalhadores.   

A discussão parlamentar de análise, discussão e aprovação do programa do XIV governo regional aconteceu no rescaldo dos resultados eleitorais para a Assembleia da República. Os entendimentos conseguidos pelo PSD Açores poderão, ou não, servir como modelo para uma solução governativa semelhante na República. Veremos! Os resultados ainda não foram apurados, estão por atribuir os deputados (4) dos círculos eleitorais da emigração, embora não se esperem alterações de monta que coloquem em causa a escassa vitória da AD que o PS, na noite eleitoral, se apressou a reconhecer e da qual o PSD fez um foguetório, sempre com beneplácito da acrítica comunicação social, como se uma vitória expressiva se tratasse.

Se na noite eleitoral a comunicação social empolou, enquanto foi possível, a vitória da direita, de igual forma a comunicação social ajudou a construir estes e não outros resultados eleitorais.

imagem retirada da internet
As eleições em Portugal foram ganhas pela opinião mediática. A construção mediática do resultado só foi possível pela elevada iliteracia política e funcional que carateriza os portugueses. Não terá sido só, outras razões se poderão aduzir a estas, mas a parcialidade da comunicação social foi determinante para que o justo descontentamento dos portugueses se tivesse transformado no apoio a propostas políticas que os penalizarão ainda mais.

Os mais desprendidos ou pragmáticos dirão que é a democracia a funcionar, eu direi que não. O que funcionou foi a moldagem e a manipulação do pensamento que os “donos do mundo” promovem e financiam, ao qual se pode associar os resquícios da herança do fascismo português que continua a colher adesão.

Vi por aí escrito, algures numa rede social, que os eleitores deram esta dimensão à extrema-direita, mas não professam ideais fascistas. Eu tenho as minhas dúvidas, o voto pode até ter sido de protesto, mas foi também um voto de identificação com a xenofobia e o racismo e outras formas de discriminação. Se assim não fosse o protesto teria sido distribuído pela ampla oferta de opções eleitorais para além dos partidos alternantes no poder em Portugal.

imagem retirada da internet
As populações mais fragilizadas social e economicamente e as que são vítimas do “menos Estado melhor Estado”, esta tese liberal que resultou (resulta sempre) na degradação dos serviços públicos, seja na saúde, seja na educação, seja no apoio social, mas também na desvalorização do trabalho e dos trabalhadores e na delapidação do setor público, estes são motivos mais do que suficientes para que os eleitores do interior norte e centro e dos territórios a Sul do Tejo tenham manifestado o seu desagrado pelo abandono a que têm sido sujeitos, embora tenham optado por dar apoio eleitoral aos autores e cúmplices das políticas e procedimentos que estão na base do seu descontentamento.

Os concelhos e distritos mais penalizados pelo abandono dos governos de Lisboa sinalizaram o seu protesto dando apoio eleitoral ao discurso antissistema profusamente reproduzido pelos órgãos de comunicação social de massas. Se é justo o protesto dos eleitores já não poderei dizer o mesmo da sua opção eleitoral que demonstra a permeabilidade dos cidadãos ao discurso boçal e medíocre utilizado para despertar sentimentos primários que contrariam toda a evolução social que, julgava eu, estava bem consolidada no seio das sociedades do chamado mundo ocidental, por outro lado, esta opção eleitoral é, também, reveladora dos efeitos da infantilização e estupidificação a que temos sido sujeitos. 

A ascensão da direita e da extrema-direita tem-se verificado um pouco por toda a União Europeia e, mais tarde ou mais cedo chegaria a vez de Portugal. O crescimento desmedido da extrema-direita, não tendo constituído uma surpresa, é preocupante e representa um retrocesso civilizacional num espaço geográfico, político e social que diz, de si próprio, ser uma referência dos valores democráticos e defesa das liberdades. O “jardim” de Josep Borrel, pela sua própria natureza, está a perder o viço. Com “botas cardadas ou pezinhos de lã” o fascismo recrudesce e, qual erva daninha asfixia os espaços de liberdade e democracia.

Ponta Delgada, 19 de março de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 20 de março de 2024

terça-feira, 19 de março de 2024

dúvidas...!? algumas.

imagem retirada da internet

Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.



(...) As eleições em Portugal foram ganhas pela opinião mediática. A construção mediática do resultado só foi possível pela elevada iliteracia política e funcional que carateriza os portugueses. Não terá sido só, outras razões se poderão aduzir a estas, mas a parcialidade da comunicação social foi determinante para que o justo descontentamento dos portugueses se tivesse transformado no apoio a propostas políticas que os penalizarão ainda mais.

Os mais desprendidos ou pragmáticos dirão que é a democracia a funcionar, eu direi que não. O que funcionou foi a moldagem e a manipulação do pensamento que os “donos do mundo” promovem e financiam, ao qual se pode associar os resquícios da herança do fascismo português que continua a colher adesão.

imagem retirada da internet

Vi por aí escrito, algures numa rede social, que os eleitores deram esta dimensão à extrema-direita, mas não professam ideais fascistas. Eu tenho as minhas dúvidas, o voto pode até ter sido de protesto, mas foi também um voto de identificação com a xenofobia, o racismo e outras formas de discriminação. Se assim não fosse o protesto teria sido distribuído pela ampla oferta de opções eleitorais para além dos partidos alternantes no poder em Portugal. (...)

terça-feira, 12 de março de 2024

Abril é mais futuro

foto de Madalena Pires
Texto publicado na edição especial de "O Barbilho" que assinala o cinquentenário do 25 de Abril


Construção embargada - Abril é mais futuro


futuro adiado

não é este o futuro
que as portas de Abril abriram
este é o presente
fechado em novembro

In "Esperança Velha e outros poemas", Aníbal C. Pires, Letras Lavadas, 2020


“Abril” é uma quimera por cumprir que habita o sonho dos portugueses que mantêm bem viva a esperança num país novo. Um país mais justo, mais fraterno, mais livre. “Abril” é a utopia que nutre a luta e a caminhada que se iniciou no dia, em que felizes rolaram livres as lágrimas na face de um povo oprimido.

Falar do 25 de Abril e da Constituição, que consagrou os principais valores de Abril, não significa falar do passado ou assinalar as correspondentes efemérides, por mais importante e significativo que isso seja. Falar da Revolução de Abril, comemorar “Abril”, é falar do presente e projetar o futuro.

A Liberdade, a Democracia, a Justiça Social, a Paz e a Soberania conquistadas, em 1974, pelo Povo Português foram consagradas na Constituição da República, aprovada a 2 de Abril de 1976, uma das mais avançadas e progressistas do século XX, projetando os valores da Revolução de Abril, reconhecendo e dando suporte aos direitos, conquistas e às profundas transformações e mudanças que foram protagonizadas pelo Povo Português. Apesar das distorções que as sucessivas revisões constitucionais introduziram ao texto inicial, a Constituição continua a ser um suporte fundamental e indispensável na regulação da nossa vida democrática, e o garante de importantes direitos políticos, económicos sociais e culturais dos trabalhadores e do povo.

imagem retirada da internet
A Constituição assume um conceito holístico de democracia. A democracia por inteiro tem de ser política, económica, social e cultural. Na Constituição inscrevem-se os direitos dos trabalhadores como intrínsecos à democracia, desde os direitos sindicais aos direitos laborais e à justiça, à segurança no emprego, a uma redistribuição mais justa da riqueza com a efetivação do direito a salários mais justos, a horários de trabalho mais dignos. Nela se expressa o direito ao trabalho para todos e a execução de políticas económicas de pleno emprego. Nela se reconhece às mulheres o direito à igualdade no trabalho, na família e na sociedade e importantes direitos às crianças, aos jovens, aos reformados e aos cidadãos com deficiência. Nela se proclama a exigência da subordinação do poder económico ao poder político e a incumbência ao Estado de dar prioridade às políticas económicas e de desenvolvimento que assegurem o aumento do bem-estar social, a qualidade de vida das pessoas, a justiça social e a coesão económica e social de todo o território nacional. Nela estão consignadas as obrigações do Estado em relação a domínios tão importantes como os da educação e do ensino, da saúde, da segurança social, da cultura. Nela subsistem princípios fundamentais para a organização do Estado, como a independência dos tribunais e a autonomia do Ministério Público, mas também a autonomia do Poder Local democrático e consagrou a histórica aspiração dos Povos Insulares à Autonomia. Nela se estipulam os princípios que devem nortear as relações internacionais e pelas quais Portugal se deve reger – da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos e da não ingerência nos assuntos internos de outros Estados, o desarmamento e a dissolução dos blocos militares.

Apesar de “novembro” e das sucessivas revisões a Constituição da República Portuguesa consagra, ainda, o essencial do projeto político procedente da Revolução de Abril. No presente defender “Abril” é defender a Constituição e exigir o seu cumprimento.


foto Aníbal C. Pires

do 25 de Abril
 
abril é
um amor que resiste 
uma construção embargada 
uma lágrima de alegria
uma poesia por recitar

abril não é
passado
abril é
futuro
abril é
um sonho por cumprir

In “Esperança Velha e Outros Poemas”, Aníbal C. Pires, Letras Lavadas, 2020




Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 12 de novembro de 2023